quarta-feira, 9 de maio de 2012

Adivinhe só, o seu ponto forte pode ser a corda que o enforcará


"Quero inventar o meu próprio pecado, quero morrer do meu próprio veneno...”, se este for o eventual desejo de um leitor inspirado na poética letra de Cálice, de Chico Buarque e Gilberto Gil (1973), tenha certeza de que é fácil realizá-lo. Aliás, simples, indolor e prazeroso, pois basta confiar cegamente nos pontos fortes pessoais e profissionais, e "shazaaam!!!!", você corre o risco de ser vitima de si mesmo, ainda que continue vivo para contar a sua história para os netos.

A culpa da derrocada deve mais às nossas forças que às nossas debilidades. Os pontos fracos, coluna contátibil Haver, não nos levam longe. Eles foram o motivo de termos sido barrados no baile, digo... na entrevista de emprego, ou quando não fomos considerado apto a ser promovido. O fato é já fizeram os estragos possíveis e, assim, aprendemos a evitá-los.

Já os pontos fortes que estão na coluna do Ter da contabilidade adubam o nosso salário, prestígio e crescimento profissional. Agora, como não há bem ou mal que sempre dure, o sucesso sobe à cabeça, nos tornar arrogantes, insensíveis aos outros, cegos quanto às próprias limitações e aí periga de morrermos com o próprio veneno.

Sendo assim, mesmo que soe razoável, essa contabilidade binária (ponto positivo x ponto negativo) não reflete a vida real. Indivíduos, organizações e nações, normalmente, perecem em função das suas virtudes em vez de o serem devido às suas fraquezas.

O erro consiste em confundir aparência (ponto forte é uma coisa, ponto fraco é outra coisa!) com a essência. Karl Marx, o enfant terrible do pensamento moderno foi bastante claro ao dizer que a ciência seria supérflua se a aparência coincidisse com essência.

Há duas causas para a morte anunciada: overdose e circunstâncias. Funciona assim: cada pessoa tem um conjunto de características (atributos pessoais natos e adquiridos) cuja mescla define a individualidade e a capacidade de realização. Estes atributos são continuamente testados, validados ou rejeitados em função do uso que lhes damos e das condições reais de ambiente e temperatura em que vivemos.


Qualquer predicado pessoal, em si, é neutro. É o uso e a situação que o torna ora positivo, ora negativo. Ser bem humorado, piadista costuma ser agradável, menos em velórios, no culto dominical ou no final do filme Casablanca.


O mesmo acontece com a determinação pessoal. Essencial para alcançar resultados, mas péssima quando o plano é falho ou os objetivos perseguidos são legal ou moralmente escusos.


Fortalezas e debilidades são faces de uma mesma moeda. O problema está na dosagem e na oportunidade. Na tragédia grega, por exemplo, o excesso de ousadia, coragem, inteligência, beleza ou busca da verdade absoluta era punido pelos Deuses.

Não foi a flecha envenenada de Paris que matou Aquiles e sim a sua autoconfiança, coragem bravura e excelência na arte marcial que o conduziu até o cenário em que foi abatido frente ao muro da cidade de Tróia.

Narciso, belo e transbordando de amor próprio sucumbiu por estar encantado com as próprias qualidades. Faça o teste, caro leitor, e comprove se a franqueza, vez por outra, não se transforma em rudeza, indelicadeza ou falta de empatia? Se a inteligência não resvala facilmente no pedantismo? Se a empatia não prejudica a capacidade de avaliação crítica e alimenta o excesso de tolerância consigo, com os filhos ou com os subordinados? Se a autoconfiança e miopia diante dos perigos da vida não andam de mãos dadas?

É um paradoxo, mas as nossas áreas de excelência são, ao mesmo tempo, nossos pontos fracos. Igualmente perturbador é constatar que é mais fácil mudar as características adquiridas ao longo da existência que mudar as características inatas.


 Agora, se os nossos atributos positivos também são negativos, o inverso também acontece, ou seja, um ponto fraco é favorável em determinadas circunstâncias. Uma pessoa reservada e introspectiva tem dificuldades para vender a sua imagem, porém, é um ótimo confidente. Dize-se que o perfeito é inimigo do bom, porém, um perfeccionista é uma mão na roda em projetos de melhoria radicais, repletos de detalhes e cuidados especiais. Um hipocondríaco pode cuidar melhor da sua saúde, da mesma forma que pessoas céticas correm menos riscos de embarcar em projetos de viabilidade duvidosa.

Já conheci bons terapeutas e consultores que eram conselheiros eficazes em áreas em que eles próprios tinham problemas.

Enfim, vivendo e aprendendo, ou seja, evite de se apaixonar por seus pontos fortes, use com discernimento e assim eles não se converterão no doce e embriagador veneno que o prejudicará na vida pessoal e profissional.


Por Eugen Pfister


Nenhum comentário:

Postar um comentário