sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013


Sobre teorias gerenciais e canoas furadas

Eugen Pfister

 
Os criadores de teorias (científicas, administrativas ou filosóficas) são uma espécie de legisladores da conduta humana, social e organizacional. O problema é que a pretensão de pautar a mente dos seguidores naufraga quando os modelos que propõem apresentam fissuras no casco como as canoas furadas de antanho.

O escritor Mario Prata1 sugere que a expressão “embarcar em canoa furada” é uma expressão indígena do século XVII para referir-se aos portugueses que soçobravam ou morriam afogados nos rios quando os índios furavam suas canoas na calada da noite. De madrugada, os “furadores” se escondiam atrás da moita nas margens do rio para ver o tamanho do estrago e divertir-se com a desgraça alheia.

Com o tempo, os colonizadores transformaram-se em imigrantes, seguidos de seus filhos, netos e bisnetos que hoje utilizam outros meios de transporte. E, até onde sabemos, os índios não se ocupam mais em furar canoas de quem quer que seja.

Foi-se a história, sobreviveu a máxima que aqui utilizo para tecer comparações com as teorias gerenciais que não flutuam, pois já vêm da origem com defeito de fabricação: não foram feitos para durar ou funcionar, e sim para impressionar os incautos e vender ilusões.

Micklethwait e Wooldridge do seminário inglês The Economist, especializados em administração e negócios2, puseram o dedo na ferida ao salientar que a administração sofre das agruras próprias de uma disciplina jovem e em construção, na qual escasseia ciência e sobra audácia misturada com obviedades e disparates.

Jovem, rebelde e narcísea, a teoria gerencial é refratária à autocrítica; abusa de uma terminologia que confunde (“é preciso desenvolver uma visão de helicóptero acerca dos problemas organizacionais”), que em vez de educar confunde, e está repleta de modismos (“capacidade”, “capabilidade”, “competência essencial”, etc. e blábláblá)3 que não seriam tolerados em disciplinas maduras e rigorosas.

Como a imaginação parece ser o limite, os xamãs da administração prometem mundos e fundos. Segundo suas fórmulas delirantes tudo é possível, inclusive aprender a gerenciar com os gansos, as baleias, os elefantes, os lobos, as fuinhas, tubarões e outras espécimes vivas ou em vias de extinção. Para tanto, basta ler tal ou qual livro, assistir a tal ou qual palestra, ter fé, e pagar a conta, é claro.

Num ambiente (mundo dos negócios) em que se cultua a estatística, é de se estranhar a ausência de dados objetivos sobre quantas pessoas, de fato, se tornaram lideres, profissionais de sucesso ou enriqueceram lendo tais livros ou assistindo tais Workshops? Ou quantas pessoas foram ascendidas a CEO após caminhar em brasas, dançar com um índio Sioux ou bater bumbos em seminários?

Mas os bruxos e seus modismos têm uma legião de cúmplices. Milhões de gerentes, profissionais e leigos compram livros, freqüentam treinamentos, palestras e MBA’s em busca de paz e segurança para suas almas angustiadas com a onda de terceirização, downsizing, perda de poder de empregabilidade ou, simplesmente, com medo de não dominarem as palavras e conceitos da moda.

Ninguém quer ser a próxima vitima de alguma gripe de reengenharia ou espasmo da bolsa de Nova Iorque. Portanto, quando se deparam com títulos sedutores - negociações vencedoras, gestão estratégica da carreira, controle o próprio destino, seja seu próprio chefe ou faça o seu chefe trabalhar por você - reagem como se acreditassem na existência de um gabarito infalível sobre como ter sucesso na vida.

Se a receita falha, sem problema, novas fórmulas são fabricadas diariamente. O fenômeno lembra um comentário sarcástico feito por Roberto de Oliveira Campos (1917 - 2001) sobre o modismo brasileiro de lançar planos econômicos após a redemocratização. Para Campos o segundo plano era como o segundo casamento, ou seja, a vitória da fé sobre a experiência.

 
Notas

1.  Mário Alberto de Campos Morais Prata, Mas Será o Benedito? Dicionário de provérbios e ditos
      populares, Editora Globo, São Paulo, 2003, páginas 69 - 70.
2.  John Micklethwait & Adria Wooldridge, Os Bruxos da Administração: como entender a Babel dos
      gurus empresariais, Campus, Rio de Janeiro, 1998.
3.  Quantos termos precisamos para exprimir a mesma coisa?

Um comentário:

  1. Excelente artigo. 100% de acordo. Enquanto empresas não praticam o básico, gênios pensam em teorias mirabolantes. Em alguns casos até usam boas ferramentas, mas erram na dose e invertem os papeis. O que seria uma ferramenta para a ser o objetivo.
    A área de custos é um dos campos onde esse tipo coisa é mais notória.Enquanto em muitas empresas matérias primas correspondem a 80% ou mais dos custos totais, os pseudo conhecedores montam sistemas complexos para controlar os outros 20% e esquecem de controlar adequadamente os 80% da matéria prima.

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