Sobre
teorias gerenciais e canoas furadas
Eugen Pfister
Os criadores de teorias (científicas,
administrativas ou filosóficas) são uma espécie de legisladores da conduta
humana, social e organizacional. O problema é que a pretensão de pautar a mente
dos seguidores naufraga quando os modelos que propõem apresentam fissuras no
casco como as canoas furadas de antanho.
O escritor Mario Prata1 sugere que a
expressão “embarcar em canoa furada” é uma expressão indígena do século XVII para
referir-se aos portugueses que soçobravam ou morriam afogados nos rios quando
os índios furavam suas canoas na calada da noite. De madrugada, os “furadores”
se escondiam atrás da moita nas margens do rio para ver o tamanho do estrago e
divertir-se com a desgraça alheia.
Com o tempo, os colonizadores transformaram-se em
imigrantes, seguidos de seus filhos, netos e bisnetos que hoje utilizam outros
meios de transporte. E, até onde sabemos, os índios não se ocupam mais em furar
canoas de quem quer que seja.
Foi-se a história, sobreviveu a máxima que aqui
utilizo para tecer comparações com as teorias gerenciais que não flutuam, pois já
vêm da origem com defeito de fabricação: não foram feitos para durar ou
funcionar, e sim para impressionar os incautos e vender ilusões.
Micklethwait e Wooldridge do seminário inglês The
Economist, especializados em administração e negócios2, puseram
o dedo na ferida ao salientar que a administração sofre das agruras próprias de
uma disciplina jovem e em construção, na qual escasseia ciência e sobra audácia
misturada com obviedades e disparates.
Jovem, rebelde e narcísea, a teoria gerencial é
refratária à autocrítica; abusa de uma terminologia que confunde (“é preciso
desenvolver uma visão de helicóptero acerca dos problemas organizacionais”), que
em vez de educar confunde, e está repleta de modismos (“capacidade”,
“capabilidade”, “competência essencial”, etc. e blábláblá)3 que não
seriam tolerados em disciplinas maduras e rigorosas.
Como a imaginação parece ser o limite, os xamãs da
administração prometem mundos e fundos. Segundo suas fórmulas delirantes tudo é
possível, inclusive aprender a gerenciar com os gansos, as baleias, os elefantes,
os lobos, as fuinhas, tubarões e outras espécimes vivas ou em vias de extinção.
Para tanto, basta ler tal ou qual livro, assistir a tal ou qual palestra, ter
fé, e pagar a conta, é claro.
Num ambiente (mundo dos negócios) em que se cultua
a estatística, é de se estranhar a ausência de dados objetivos sobre quantas
pessoas, de fato, se tornaram lideres, profissionais de sucesso ou enriqueceram
lendo tais livros ou assistindo tais Workshops? Ou quantas pessoas foram
ascendidas a CEO após caminhar em brasas, dançar com um índio Sioux ou bater
bumbos em seminários?
Mas os bruxos e seus modismos têm uma legião de
cúmplices. Milhões de gerentes, profissionais e leigos compram livros,
freqüentam treinamentos, palestras e MBA’s em busca de paz e segurança para suas
almas angustiadas com a onda de terceirização, downsizing, perda de poder de empregabilidade ou, simplesmente, com
medo de não dominarem as palavras e conceitos da moda.
Ninguém quer ser a próxima vitima de alguma gripe
de reengenharia ou espasmo da bolsa de Nova Iorque. Portanto, quando se deparam
com títulos sedutores - negociações vencedoras, gestão estratégica da carreira,
controle o próprio destino, seja seu próprio chefe ou faça o seu chefe
trabalhar por você - reagem como se acreditassem na existência de um gabarito
infalível sobre como ter sucesso na vida.
Se a receita falha, sem problema, novas fórmulas
são fabricadas diariamente. O fenômeno lembra um comentário sarcástico feito
por Roberto de Oliveira Campos (1917 -
2001) sobre o modismo brasileiro de lançar planos econômicos após a redemocratização.
Para Campos o segundo plano era como o segundo casamento, ou seja, a vitória da
fé sobre a experiência.
1. Mário
Alberto de Campos Morais Prata, Mas Será o Benedito? Dicionário de provérbios e
ditos
populares, Editora Globo, São Paulo, 2003, páginas 69 - 70.
2. John
Micklethwait & Adria Wooldridge, Os Bruxos da Administração: como entender
a Babel dos populares, Editora Globo, São Paulo, 2003, páginas 69 - 70.
gurus empresariais, Campus, Rio de Janeiro, 1998.
3. Quantos termos precisamos para exprimir a mesma coisa?
Excelente artigo. 100% de acordo. Enquanto empresas não praticam o básico, gênios pensam em teorias mirabolantes. Em alguns casos até usam boas ferramentas, mas erram na dose e invertem os papeis. O que seria uma ferramenta para a ser o objetivo.
ResponderExcluirA área de custos é um dos campos onde esse tipo coisa é mais notória.Enquanto em muitas empresas matérias primas correspondem a 80% ou mais dos custos totais, os pseudo conhecedores montam sistemas complexos para controlar os outros 20% e esquecem de controlar adequadamente os 80% da matéria prima.